2009-09-20

"O Amor Diurno"


Em teu sereno rosto
se ergueu o vento
querida
uma leve crispação
corre a sua linha de água
em tuas feições ondulando
querida

Teus olhos se fecharam
querida
lagos sobmersos
pejados de trevas e desejos
de prazer e dor
ó doce querida

Mar nocturno e agitado
e sua audível presença
querida
um grito surdo
túmido e lento agoniza
em tua garganta opressa
ó doce querida

Tuas mãos esguias
minha querida
asas transparentes e brancas
de aves aquáticas
um vento de loucura
as possui e agita
desnorteados barcos
navegando às cegas no meu corpo
minha querida

Em teu sereno rosto
agora apaziguado
o vento torna a ser brisa
querida
com a quietude das manhãs de verão
e a fadiga
já sobre a areia
depois do naufrágio
ó doce muito doce querida



O poema que transcrevemos é o poema 10 de “O Amor Diurno”, de Fernando Couto. Sobre o qual Eugénio Lisboa escreveu, na badana de “Feições para um retrato(*) que “é um livro de franca exaltação amorosa, melhor: de exaltação da beleza e do prazer. É um livro de um esteta, de um amante inequívoco da beleza do corpo, das imagens, do gozo sensual…”.

O livro - uma “(…) edição fora do mercado, (…) composta por 150 exemplares, todos numerados e assinados pelo autor” –, com capa e ilustrações por José Pádua, foi “Composto e impresso nas oficinas do “Notícias da Beira”, em "Outubro de 1962".

……………
(*) Colecção “Vozes de Moçambique” – Nº. 1, edição do ATCM, Beira, 1970/71.

3 comentários:

Graça Pereira disse...

Lindo este poema que não conhecia, numa grandeza doce, sensual e muito humana do amor! Fiquei fã!
Ainda bem que já terminaram as tuas férias...fazias falta! Um abraço e um bom domingo. Graçaquelimane

Sem Camuflado disse...

Não foram férias, Graça, mas coisas que acontecem – sobretudo a quem envelhece (Vd. JSA).

Sem Camuflado disse...

Para os "mais distraídos"nestas coisas da literatura, Fernando Couto é o pai de Mia Couto...